sábado, 31 de julho de 2010

Quebrantada alma, tristemente livre.

- Eu estou indo embora. - foram essas as palavras que quebraram o jejum de silêncio de Luce.
Dan levantou os olhos arregalados e surpresos. Ele sentia-se constrangido com o silêncio da garota, é verdade, já que Luce costumava tagarelar aos quatro ventos, mas aquelas palavras ele não entendera bem.
- Como assim, Luce?
- Eu estou indo embora, Daniel. - ela desviou os olhos dos dele - Estou te deixando.
- Mas por que?
- Não sei, estou triste. - ela deu um suspiro raso e seco.
- Triste? Mas por que triste?
- Você e seus "mas porquês". Não sei! Triste por mim. É um favor que me faço.
- Um favor? - Dan não conseguia entender. Tudo estava tão bem! Agora mesmo eles conversavam sobre.. sobre o que eles conversavam? Ele não conseguia se lembrar, porque de repente viera aquele silêncio e aquele olhar vazio, aquele sorriso triste e aquelas palavras.
- Sim, acho que eu combino mais com o triste que com o feliz. Não tem espaço pra preocupação no meio da tristeza. - explicou ela com a voz habitual. A voz forte, decidida de alguém que se levava muito à sério.
- Mas você é despreocupada!
- Por isso mesmo.
Ela olhou de volta para ele. Os olhos azuis nos castanhos dele. Olhos piedosos e apaixonados. Sim, aquela era Lucia, sua Luce. Então ela ia voltar, como sempre fazia. Ele só precisava ser carinhoso e esperar. Lucia precisava daquele espaço eventualmente, mas depois ela corria de volta para os seus braços arfante e desesperada, como se mal conseguisse respirar outro ar que não fosse o dos pulmões de Daniel.
- Eu preciso te esquecer, Dan. - e agora a voz dela soou fraca.
E a fraqueza da voz de Lucia refletiu-se em todo o corpo de Dan. Lhe ocorreu aquela sensação imediata de que iria desabar. Mal podia se manter em pé.
- Tudo bem... - foi tudo o que ele conseguiu dizer.
- Eu estou sempre te machucando. Eu não quero mais isso, você merece algo melhor. Não é você, sou eu, eu juro! - Lucia atropelava as palavras com a voz ao mesmo tempo firme e trêmula, como se fizesse um considerável esforço para não chorar durante um discurso importante. – Isso ia acabar, uma hora ou outra. Eu sei que disse “para sempre”. Me perdoa. Eu me arrependo disso.
Ele parou o olhar nos lábios da garota. Eles tremiam quase imperceptivelmente. As mãos dela estavam enfiadas nos bolsos e ele sabia porque. Elas sacudiam e suavam.
- É, você disse. – foi tudo o que ele conseguiu responder.
Lucia sorriu. Era a versão triste daquele sorriso eternamente sapeca de quem havia passado o dedo na cobertura do bolo antes do parabéns.
- Eu não sou flor que se cheire.
- Não. Você não é.
Ele quis odiá-la, mas não pôde. Quis mandá-la embora, mas não pôde. Ele a queria por perto. Queria roçar os lábios naquele sorriso. Então ele quis fazer isso, mas também não pôde. Porque Lucia não permitiu. Ela virou ligeiramente o rosto e passou os braços em volta do pescoço dele. Ficou na ponta dos pés e beijou-lhe na testa.
- Eu te amo. – ela sussurrou em seu ouvido, e ele podia ouvir a sinceridade triste na voz dela.
- E eu não quero que você me esqueça...
- Eu sei. Eu não vou.
E dizendo essas palavras, Lucia virou as costas. Segurou a mão dele e arrastou os dedos pela sua palma até que eles se separassem, como num filme romântico clichê. Mas ela não voltou. Ela continuou caminhando em direção a porta. Daniel pensou tê-la visto fazer sinal de que ligaria mais tarde. Na verdade, ele tinha certeza que ela ligaria, mas aquele rosto virado lhe destroçara por dentro. Era a primeira vez. E agora ele tinha certeza de que não atenderia as ligações.
-
Do lado de fora da casa, Lucia suspirou. Ela não sentia falta dele agora, mas sabia que sentiria no dia seguinte. Ligaria depois, decidiu. Mas não tinha certeza de que adiantaria alguma coisa. Ela já partira o seu coração vezes demais, Dan não merecia isso.
Mas agora tudo estava bem. Ela era livre, afinal. A vida era feita disso.
Jurou para si mesma que jamais diria “para sempre” novamente. Gente como ela não podia fazer isso, assim como um pássaro selvagem sempre voa para longe depois que curamos a sua asa. Esse era o problema de ser Lucia.
Pegou o celular e discou o número de Daniel assim que virou a esquina. Chamou até cair. Tudo bem, ele estava certo. Agora ela deveria fazer a coisa certa, também. Jogou o celular na lixeira amarela, de metal. Era o tipo de coisa impulsiva que ela fazia; teria que gastar um dinheiro que não tinha para comprar um novo.
Amarelo era a cor favorita dela, pelo menos.

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